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Mostrando postagens de fevereiro, 2020

Mesa farta

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  Se o que me ofereces são cacos e pontas afiadas de culpa numa existência entre escombros e restos de um passado que me aprisiona e me quer à míngua, digo-te que não. Dentro de mim habita um ser fluído que, apesar de profundo, não aceita viver com as raízes fincadas neste terreno onde proliferam os ratos e as cobras de tuas promessas não cumpridas. Recuso também os espinhos e galhos secos dos teus descartes. Sou livre, carrego nos olhos asas que me alçam longe, adiante por caminhos que se bifurcam... e mais adiante se bifurcam de novo e por todos eles eu andarei, pois sou viva. Afasta de mim o cálice do pouco vinho da tua alegria e o prato das migalhas do teu desejo. Quero fatura - me alimentarei de meus próprios sonhos. Dalva Nascimento Imagem: Google O trabalho Mesa farta de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada .

Alhos e bugalhos

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  preciso prestar atenção para não esquecer nada cenoura batata ovo leite mas como ele pôde fazer uma coisa dessas ordinário homem é assim mesmo tudo palhaço tenho que comprar também farinha de trigo integral que é melhor para o estômago onde já se viu contar tanta mentira fingir que esqueceu o celular vê se eu caio numa desculpa dessa tomate azeitona queijo parmesão será que ele pensa que eu acreditei nisso  de verdade nossa como tá caro o óleo de canola vou comprar o de soja mesmo e levar a maior bronca do cardiologista não acredito que ele me acha assim tão estúpida porque sou mesmo uma lerda para entender as coisas que cara de pau mentir tanto durante tanto tempo pimentão azeite cebola cheguei a sentir dor no peito quando ele me disse aquelas coisas vou ali naquele corredor pegar o coentro e a salsa que mania que eu tenho de não fazer lista tenho que deixar de ser assim tão boba mas é que eu acreditava nele e achava que era de verdade essa semana não vou comprar carne vermelh

Sub-reptício

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     Sei que não é loucura minha, sei que é só maldade tua. Ficas aí, do teu mundinho pequeno a me espreitar. A me vigiar pelas frestas das tuas janelas, pelos buracos na parede que tua malícia vai abrindo dia após dia. E pensas que assim vais me possuindo. Sinto que teus olhos vão me consumindo, em fatias, em nesgas, em pedaços. Mas eu, a cada dia, mais cresço. A cada dentada tua, a cada bocada, sou um pouco mais eu. Cresço na medida em que pensas que me consomes. E tu, como um rato, te esgueiras sobre as telhas. Fazes malabarismos perigosos só para me ver passar. Não faz mal. Gosto de me exibir. Faço questão de mostrar minha intensidade. É disso que tens inveja. De minha paixão embriagadora, de minha euforia incontrolável. O que tu querias, mesmo, era ter as minhas asas. Essas mesmas asas que me fazem ser capaz de alcançar o inatingível. Mas tu não és capaz de voar como eu. Guardastes tuas asas dentro de um armário escuro e o fechaste com cadeado. Só sabes mesmo viver assim, na

Recomeço

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  Nosso barco enfrentou uma grande tormenta,  numa noite escura. Cruzou águas cinzas e revoltas. Sob imensas ondas naufragou, nosso pobre barco perdido, agitado e sacudido pelos ventos.  As ondas barulhentas arremessaram na areia nossos despojos. Agitados, feridos e trêmulos olhamos, sem acreditar, que tudo tinha ficado ali, na areia. Nos restou criar coragem e voltar a praia e recolher o que o mar nos devolveu. E sonhar de novo. E recomeçar. Manter no olhar a ternura necessária para reconhecer e encontrar ali, entre cacos e farpas, aquela lembrança, aquela palavra que nos prova que nem tudo afundou afinal. Encontrar aquele que navega ao nosso lado, de mãos dadas, em busca da manhã que nasce e nos traz a esperança do recomeço. Dalva Nascimento Crédito da imagem: fotografia minha, Quiosque da Loura, à noite, na Praia do Dentinho, em Praia Seca, Araruama-RJ O trabalho Recomeço de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Comm

Dia de ser árvore

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Dentro de mim há milhões de outras. Sou vasta, contenho um universo. Hoje serei uma árvore - traço de união entre o céu e a terra. Sou árvore, pois que minha cabeça vive nas nuvens. Só assim me sinto grande, alta, em meus 1,50 m. Elevo-me cada vez mais alto, rumo à claridade. De minha copa os ramos sonham flores e frutos. A esse processo um outro se associa. Quanto mais alto meus sonhos-flores brotam, mais meus pés-raízes se entranham dentro da terra. Sem esta profundidade que alimenta minhas raízes, minha copa não produziria sonhos. Minhas flores - todas elas - são filhas da escuridão. Dalva Nascimento O trabalho Dia de ser árvore de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada .

Não chegamos a ser

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    Trago, em algum lugar dentro de mim, a certeza de que nos encontraremos de novo. Isto está muito claro prá mim. Vamos nos encontrar nos mesmos lugares onde estivemos. Vamos rever pessoas, paisagens, sentir de novo o gosto do café expresso, da água de coco. Além de reviver tudo, vamos recuperar o tempo que passamos separados. Sim, pois tudo foi aprendizado. Já não erraremos mais do mesmo modo. Não cometeremos as mesmas faltas, não padeceremos das mesmas solidões e nem nos imputaremos as mesmas indelicadezas. Este tempo de agora nos fortalecerá... é como um caminho de exílio, no qual amadurecemos. Por enquanto limito-me a fechar os olhos e pensar em você. Mas aqui dentro, em algum lugar que só enxergo de olhos fechados, sei que nos encontraremos de novo. (Sabe aquele banco lá no parque? Aquele, que um dia vimos um casal de velhinhos sentados, de mãos dadas? Lembra o que você disse? “Somos nós, daqui a mais alguns anos...” ) Não chegamos a ser. Mas o banco ainda está lá,

Vem ver a lua

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  Já é noite. Vem comigo ver a lua. Vem comigo ver a lua que está sobre o mar. Repara como repousa o luar - tão calmo - sobre ele, tão revolto. Tão revolto como o meu coração nesta noite. Esta não é uma noite qualquer. É uma noite surreal, como nenhuma outra em nossas vidas. Pois que o mar joga duro suas enormes e líquidas ondas contra as pedras. Ouve o estrondo com que elas se jogam e o silêncio com que se desmancham em espuma, num queixume surpreendido pela lua, como num flash. Um queixume tão igual ao meu, cá nos meus olhos tão líquidos de encontro aos teus, tão rochosos. Vem comigo ver a lua. Repara em todos os seus amarelos e dourados que se espalham pelas águas deste anoitecer - serenos e silenciosos, selvagens e sofridos. Como eu. Já é noite e eu quero ir contigo ver a lua. Dalva Nascimento Imagem da Web O trabalho Vem ver a lua de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0

Transparencia

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Cruzamos caminhos. Dividimos calçadas. Desfilamos, uns para os outros, nossas cores, nossas dores. Pensamos ser invisíveis mas na verdade somos transparentes. Que olho não vê, que toque não sente, que coração não advinha o que eu carrego tão exposto, à flor da pele, à beira do olho? Só tu que não me vês, que não me olhas. Coragem! Perceba...veja: essas cores, essas dores tão minhas, não são, acaso, tuas também? É teu espelho essa ânsia, esse grito, que escondo atrás do sorriso velado. Reconhece, então, nas minhas as tuas próprias cores e dores. Apesar do meu disfarce, por favor, não finjas que não me vês. Dalva Nascimento Crédito da imagem: http://www.freepik.com/free-pho…/alone-in-a-crowd_344789.htm O trabalho Dia de outono de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada .

Resiliencia

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    Temos nos olhado muito. Demoradamente. Olho no olho, assim, bem de perto. Com algum desconforto, sem dúvida, mas também com coragem. Somos adultas, as duas. Mas ela ainda brinca comigo. Se esconde atrás dos meus sentimentos mais confusos, corre que nem doida nas minhas veias. Escapole por entre os dedos. Tudo nela é pressa, urgência. Eu a conheço por inteiro, em toda sua cortante profundidade e pequenas doses de doçura. Nós duas somos sobreviventes e nos conhecemos intimamente. Nos pertencemos e não temos segredos uma para a outra. Sei do que ela é feita e há nisso algo de bonito. Tem vezes que me distraio e meio que me esqueço dela. Resiliente, ela me conhece por dentro e vem logo me resgatar. Nos entregamos uma a outra sem reservas. Ela sempre vem - às vezes com calma, cheia de delicadezas. Outras vezes selvagem escoiceando meu peito. Eu a carrego comigo, sentindo seu peso sobre os ombros. Ela sou eu. A solidão. Minha solidão sou eu. Dalva Nascimento Crédito da Imagem:

Esta noite

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  Esta noite há um lobo a uivar para a lua. Um uivo de medo. Um uivo de dor por saber que está perto do fim. Sua morte será tal e qual foi sua vida: sem importância nenhuma. Pois que venha, então... mas há tanta coisa ainda para ver - tanta presa, tanta mata, tanto luar. Tanta coisa há ainda para esquecer - a presa, a mata, o luar. E por tudo isso, esta noite, há um uivo ao luar. Este uivo é meu. Esta noite há uma criança a chorar atrás da porta. Um choro que implora colo, leite e consolo. Está à míngua, esta noite. Um choro que precisa que lhe diga: 'não tenha medo, não vai doer nada'. Por tudo isso, esta noite, há um choro atrás da porta. Este choro é meu. Dalva Nascimento O trabalho Esta noite de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada .

Incompleta

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Tu não sabes quanta coisa que nunca te disse. Essas palavras a menos somam barricadas entre nós. Se te culpo pelo que não procuraste saber de mim ao mesmo tempo não me perdoo o que não pude revelar-te de mim. O que havia de impensável entre nós, o que não luzia em nosso olhar ensombrecido e não aquecia nossos gestos tristes - tudo isso que nos faltou -  vive, ainda hoje, em mim, na incompletude do que sou. Dalva Nascimento Crédito da imagem: fotografia de Francesca Woodman  O trabalho Incompleta de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada .