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Mostrando postagens de junho, 2020

Michael

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  Não tem como evitar: o domingo sempre me leva de volta à casa da minha avó. Aos grandes almoços com a família, quando esta era grande. O quintal, com as brincadeiras das crianças e as criações da casa: muitas galinhas, patos, gansos e marrecos. Como toda criança, ficava muito feliz quando os ovos chocavam e nasciam os pintinhos. Ficava observando e de toda a cria sempre escolhia um e dizia prá minha avó: esse aqui vai ser meu, prá brincar comigo, pode? Minha avó sempre dizia a mesma coisa: pode sim, mas já não chegam os seus primos e os seus amigos prá você brincar? E eu ria, e ficava feliz por saber que tinha tantas opções. Bom, o meu escolhido começava a crescer, trocava a penugem pelas penas e mudava de cor. Mesmo no meio de tantas brincadeiras eu gostava de acompanhar o crescimento deles, e minha avó sempre botava um anelzinho no pé do meu "escolhido". Ele ganhava direito até ao batismo, ganhando um nome, geralmente de um artista da época. Lembro de um especial,

Escrevo...

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  Não sei qual foi o dia da semana em que nasci. Sei que foi à noite, às 20 horas. Não sei se chovia, se era noite clara, com lua. Mas de uma coisa eu sei. Nasci com uma camada muito fina de epiderme. Tenho os nervos muito expostos. Com pouca ou nenhuma proteção, estão à mercê de tudo. E de todos. Por isso tive a vantagem de ter, com minha avó, que me criou, um relacionamento muito íntimo... eu era muito mais sensível ao carinho do que as outras crianças. Daí a razão desses meus olhos que vazam tanto, quando estou diante de carinhos e doçuras. Não só os carinhos, mas também as dores. Sempre fui intensa no sentir. Prazeres os mais plenos e dores as mais pungentes. Sensíveis na pele, não apenas os meus, mas os dos que me são caros. Sofro por eles suas dores e me alegro com seus prazeres, daí essa facilidade de compreender a alma. Sei pouco do que me reserva o futuro, ando na fé do que Deus reserva para mim. Mas sei que nasci para transcender, para amar e, amando, sofrer. E sei q

Em obras

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  Tum... tum... tum.. Batida forte. Ela fica lá dentro, quieta, só escutando. Lá dentro, onde o barulho faz eco. Barulho de mãos à obra. No canto onde está tem uma visão privilegiada de tudo o que acontece. Vê, toda por inteiro, a sua casa. Meio sombria, pois há dias não deixa o sol entrar pelas cortinas. As paredes precisam de uma pintura nova. Mas só quando chegar o novo dono. Só quando estiver desabitada de vez. Por enquanto, vai ficar assim. Com todas as suas marcas. Com seus arranhões nas paredes ásperas. Sob as suas unhas ainda sente o concreto, o cimento, a terra e a tinta. Pois, sem perceber, está cavando um buraco, há vários dias. Não sabe onde ele vai dar. Só sabe que precisa ir embora. Crédito da imagem: Fotografia de © Igor Voloshin O trabalho Em obras de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada .

A lua e eu

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  Lá fora vejo, pela  janela, o azul do céu pintado de vermelho pelo por do sol. Essa hora perigosa do crepúsculo é quando mais sinto a falta da luz dos teus olhos. Me esforço e me contenho para não incomodar você com coisas tão pequenas. E lá vem ela, a lua. Despontando no céu, cheia e amarela, iluminando tudo a minha volta. E sussurrando prá mim, baixinho:  "diz... fala... escreve..." Como se faz para ignorar a lua? * Imagem via Pinterest O trabalho A lua e eu de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada .

Como Ícaro

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  Sei que não é loucura minha, sei que é só maldade tua. Ficas aí, do teu mundinho pequeno a me espreitar. A me vigiar pelas frestas das tuas janelas, pelos buracos na parede que tua malícia vai abrindo dia após dia. E pensas que assim vais me possuindo. Sinto que teus olhos vão me consumindo, em fatias, em nesgas, em pedaços. Mas eu, a cada dia, mais cresço. A cada dentada tua, a cada bocada, sou um pouco mais eu. Cresço na medida em que pensas que me consomes. Mas tu, como um rato, te esgueiras sobre as telhas. Fazes malabarismos perigosos só para me ver passar. Não faz mal. Gosto de me exibir. Faço questão de mostrar minha intensidade. É disso que tens inveja. De minha paixão embriagadora, de minha euforia incontrolável. O que tu querias mesmo era ter as minhas asas. Essas mesmas que me fazem ser capaz de alcançar o inatingível. Mas tu não és capaz de voar como eu. Guardaste tuas asas dentro de um armário escuro e o fechaste com cadeado. Só sabes mesmo viver assim, na espreit

Casa nova

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O ano novo se apresenta como uma casa nova, para a qual estou de mudança. As velhas paredes descascadas estão cobertas por uma nova tinta, mais clara. O cheiro é forte.  Quero assim. Despojamento, sem cortinas, sem tapetes. Tinta branca na parede. Chão limpo. Janelas limpas para que eu possa ver a tarde indo embora pelo vidro. E o cair da noite pardacenta. São vinte horas e não chove desde dezembro. Não sei se é uma boa época para mudança, mas sou assim: decidi e pronto. Vim a pé, ligeira -  e fui deixando pelo caminho marcas para quem quiser vir atrás. Da casa velha não trouxe quase nada. Algumas peças de roupas usadas. Livros que ainda não li. Um ou outro CD antigo. E duas malas velhas. Uma vazia e outra cheia. Esta vou abrir logo, sacudir e esvaziar no meu novo chão que, de tão limpo, me reflete inteira. Sou assim. Gosto de recomeços. Crédito da imagem: Decorando e Construindo.com O trabalho Casa nova de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma L

Dia de ser árvore

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  Dentro de mim há milhões de outras. Sou vasta, contenho um universo. Hoje serei uma árvore - traço de união entre o céu e a terra. Sou árvore, pois que minha cabeça vive nas nuvens. Só assim me sinto grande, alta, em meus 1,50m. Elevo-me cada vez mais alto, rumo à claridade. De minha copa os ramos sonham flores e frutos. A esse processo um outro se associa. Quanto mais alto meus sonhos-flores brotam, mais meus pés-raízes se entranham dentro da terra. Sem esta profundidade que alimenta minhas raízes, minha copa não produziria sonhos. Minhas flores - todas elas - são filhas da escuridão. Crédito da imagem: fotografia de Adoni Aleman O trabalho Dia de ser árvore de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada .

Prá que dizer?

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  Vou falar dos teus olhos que são como pontos de exclamação brilhantes, em chama. Pequenos sóis que saúdam minhas manhãs em festa, grandes lagos onde eu mesma me encontro. Vou falar da tua mania de invadir meu espaço, sem respeitar a distância máxima permitida - e não sei se corro, como louca em fuga - ou se fico, muda, a pedir teu beijo. Vou falar deste teu jeito que tens de passar a mão nos cabelos, fazendo com que eu já antecipe a sensação de tê-los entre os meus dedos. Vou falar das tuas mãos nas minhas costas, das tuas mãos nos meus cabelos....... O quê? Do que era mesmo que eu estava falando...? Crédito da Imagem: We Heart It O trabalho Prá que dizer? de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada .

Sentidos

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Antes de tudo, antes do toque, antes do olhar, antes do gosto, antes do som. Antes de tudo, prá mim, vem o cheiro. Sou absolutamente olfativa. A tudo associo cheiros. Minha infância na casa da minha avó. Minha cadelinha. Minha casa. Minhas frutas. Meus livros. Tudo e todos. Ele. O cheiro dele. O cheiro do seu cabelo, da sua pele, da sua boca. Sempre o cheiro. Discretamente, até faço carinho cheirando, encostando meu nariz no pescoço, na orelha. É um instinto. Um sentido que não engana. Impossível gostar de quem não gosto do cheiro. E, impressionante, me vem em horas esquisitas. Caminhando, no final da tarde com a cabeça em nada – e ao mesmo tempo em tudo – olhando as pessoas em volta, os prédios, as luzes... e eis que o vento sopra mais forte um pouco e me invade o cheiro dele. Atinge completamente meu nariz, minha mente, meu estômago. Meio zonza, começo a procurar em volta. Sei que ele não está presente, mas o cheiro dele está. Eu o farejei com a saudade. E fico assim, meio

Porque hoje é sábado

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Sábado... para alguns já é o meio do final de semana mas para mim é o começo. Meu final de semana começa no sábado ao meio dia, quando saio da gaiola e coloco o pé na rua. É uma sensação tão boa que tenho vontade de tirar o sapato e colocar o pé no chão. Adoro andar descalça. Em casa não uso nem chinelo. Pé no chão, mesmo. Na chuva, então, não resisto. Além de andar descalça (olho em volta pra ver se não tem ninguém olhando) gosto de chapinhar nas poças. Sábado combina com pé descalço. Sentir a aspereza das calçadas na pele fina da sola do pé confinado no salto alto. Sentir o contato com as pedras, a sensação da poeira e da sujeira aderindo a pele. Nós, seres urbanos, temos problemas com pés descalços. Será a vergonha de se sentir diferente, num mundo de pés exibindo Pradas, Vizzanos e Picadillys? Ou será apenas o asco pela sujeira das ruas? Andar descalço envolve riscos. É preciso aprender a se desviar das pedras afiadas, chicletes, cotocos de cigarro, cocô de cachorro, r

Amo que te amo mais

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Não. Não é quando, ansiosas, tuas mãos me procuram como feras em busca da presa. Não é quando, faminta, tua boca me devora a carne. Não é quando, sedentos, teus olhos me rasgam e se servem do meu corpo. Não é quando, rouca de prazer e dor, tua voz sussurra meu nome entre os dentes. Não é nessa hora que te quero mais. É quando, feliz por estar comigo, teus olhos cintilam feito estrelas ao encontrarem os meus. É quando, ao me contar teus segredos, tua voz embarga, macia. É quando, no meio da multidão, tens prá mim um sorriso que só eu entendo. É quando percebo que todo o nosso tesouro é apenas este: aquilo que somos, quando juntos estamos. E aí que te amo mais. Imagem via Pinterest O trabalho Amo que te amo mais de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada .

Oco

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Por mais que eu finja, por mais que eu disfarce, a verdade é que fazes-me falta. É a coisa mais certa - e nem sei se secreta - esse buraco, esse oco que lógica não tem mas tem o teu nome. Fazes-me falta. Me lança no vácuo, imprecisa e disforme, a carregar o fardo da tua ausência. Fazes-me falta. Uma falta que amolda o meu dia cada vez que lembro teu nome. Em torno de tua ausência habito, numa fresta de espaço e tempo, sem ar, sem barulho, a me reinventar a cada dia pra fingir que ainda vivo.  Desconheço a autoria da imagem O trabalho Mesa farta de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada .

Paladares

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Hoje em dia prefiro evitar pessoas muito comedidas. Pessoas que não olham nos meus olhos, ou com sorrisos amarelos e apertos de mãos frouxos: detesto-as. Não acho legal mudar de assunto nas conversas. Menos ainda não assumir uma posição clara quanto a uma ideia ou um ideal. Conversa mole, então, me exaspera. Livrai-me, meu Deus, de gente que dissimula. Foi o passar dos anos que me fez assim. Não aprecio pratos com sabores insossos. Prefiro sabores exóticos, bem temperados, que me obrigam a sentir, saborear intensamente. Não quero mais os vinhos docinhos. Prefiro os rascantes, de sabor bem forte. Por favor, não me venham torcer o nariz às refeições. Nem dizer que estão "satisfeitos" ou "cheios" depois de algumas poucas garfadas. Comam, saboreiem, saciem-se, apreciem a diferença de gosto, apurem o paladar! Acaso não percebem que a vida está passando?!? Imagem da Web O trabalho Paladares de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenc

Se essa rua fosse minha

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Ele, como ninguém, sabia recriar o mundo dela. Na simplicidade dos gestos e na escassez das palavras ele era tudo, ele dizia tudo. "Vem cá, que hoje eu quero paparicar você um pouquinho. Fica triste, não. Vem comigo, vamos dar uma volta que você vai se sentir melhor. " E lá ia ela, amparada nas mãos dele, como se fossem sua tábua de salvação.  No frio, o abraço era forte para esquentar o seu corpo gelado. No calor era sundae, água de coco e suco geladinho. Nas horas alegres falavam muita bobagem, riam muito. Nas horas tristes, quando a escuridão caía, bastava que caminhasse a seu lado para que todas as esquinas tortas se ajeitassem... e ele falava assim: "Olha, você percebeu como esta rua está linda, toda ladrilhada com pedrinhas de brilhante? Tá vendo? Fui eu que coloquei pra você, só pra você..." Nada de mais, palavras e frases comuns, bobas até. Mas que poder de cura elas tinham! Hoje, sozinha, ao caminhar pelas ruas, não consegue mais ver a

Como se fosse a primeira vez

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Mudança: esta é a única coisa que permanece em mim. Mudo a cada dia, a cada hora, a cada momento. Sou ser em construção. Viver é superar fases. Fazer travessias. Da infância para a adolescência, para a juventude, daí para a idade adulta, a velhice e para a eternidade. Por isso nunca posso dizer: esta sou eu. A morte vai chegar e ainda não vai me encontrar pronta. Pois a vida é movimento constante. Mas quanto tempo demora prá gente mudar? Sim, mudo sempre, mas quando é que posso dizer que mudei de tal forma que deixei de ser quem eu era? Que sou outra diferente de quem fui? Quando mudo uma opinião? Quando mudo meu gosto musical? Quando mudo minha posição política? Quando corto o cabelo? Quando assumo um novo cargo no emprego? Quando perco um amor? Ou quando me apaixono de novo? Quando é que acontece isso? Quando acontece de verdade aquela transformação, aquela metamorfose que faz com que eu sinta e diga: sou outra a partir de hoje!?  Não sei ao certo, mas hoje posso dizer que vej

Agridoce

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Com gosto de nunca mais na boca, correu prá geladeira e mordeu uma manga bem doce. Mordeu com vontade, deixando de propósito que o néctar doce escorresse pelos cantos da boca, caísse pelo queixo e encharcasse a roupa. Só para ter a impressão de que tanta doçura seria capaz de amenizar o fel que sentia. O doce da fruta se agarrava nos seus lábios, e ia boca adentro, irrigando e perfumando seu hálito. Ela queria era que ele chegasse no seu coração salgado, que boiava em um lago de grandes e grossas lágrimas, agitado pelo vento frio que sopra da solidão, este sentimento tão azedo que, misturado ao doce da fruta, congela o seu dia de hoje, agridoce. * Fotografia de Nicolas Valois O trabalho Mesa farta de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada .

Latente

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  Tem início uma nova guerra. Travada em território que ora se expande, ora se comprime. Num peito angustiado que guarda em si algo que lá dentro não consegue mais ficar. Que a cada pulsar emite mensagens dúbias e conflitantes para si mesmo e para os outros. Pois o que guarda em si logo, logo vai romper. Debate-se lá dentro, como uma fera, rosnando, raspando as patas no coração e fazendo soar na cabeça uma sinfonia dissonante, atordoante. Uma represa que, em vã tentativa de destensionar, inspira e respira 543 vezes por minuto. Puro arquejo contido, tal e qual uma intumescência, a supurar a vida latente que não jorra, mas dói. Crédito da imagem: Fotografia de Lucy Nuzum O trabalho Latente de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada .

Marca de beija-flor

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  Certas lembranças não se apagam nunca. Ficam lá, esbarrando na gente a todo instante. Feito sombra, colocada a nós. Assim é a tua, presa nos meus dias. Ando pela casa e lá está ela – nos meus cds, nos meu livros, nas minhas paredes, na minha cama. E se vou pelas ruas, pelas esquinas, pelos cafés... em tudo deixaste tua marca de beija flor. Como sombra que és, cresce. Se agiganta conforme passa o tempo. Se lança sobre mim, sobre a casa onde moro, sobre as minhas coisas – e me desconcerta ao me jogar na cara como sou incapaz de me libertar. Impotente, me deito, então, sobre tua sombra, e me misturo com os restos teus que ficaram em mim. Crédito da Imagem: http://e-s-c-o-m-b-r-o-s.tumblr.com/ O trabalho Marca de beija-flor de http://rabiscosdalva.blogspot.com.br/ foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada .

Domingo é um buquê

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  Se sábado é a rosa da semana, domingo é um buquê inteiro. A gente pode começar a colhê-las logo de manhãzinha. Não muito cedo, posto que é domingo. Acordar um pouco mais tarde, com direito a uma espreguiçada mais longa... e quem sabe até virar pro lado e tirar mais uma soneca. Manhãs de domingo são maravilhosas. Perfeitas para avivar a fé nas celebrações da Igreja, colhendo frutos da graça para a semana inteira. Manhãs em que você abre a janela para o sol que vai entrando e sussurrando: tudo vai dar certo! Revigorantes! Manhãs silenciosas. Quase ninguém nas ruas. Todos ainda em casa, abrindo suas janelas, buscando suas próprias esperanças. Sair para caminhar na praia, encontrar pessoas e seus cachorros. E porque hoje é domingo, todos se cumprimentam e se olham. Há mais tempo, mais calma, mais gentileza. Culpa da sensação de liberdade que sentimos caminhando sob o sol. E o almoço? Compriiiiiiiiiiiiiido, se arrastando até quase o final da tarde. Sensação de felicidade, sobre

Quero um barco

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 Relendo o conto da Ilha Desconhecida , de Saramago, tenho uma vontade incontrolável de evadir-me. Quero um barco. Um barco a vela mansamente impulsionado pelo vento. Deixo para trás uma porta trancada sobre móveis, paredes e lembranças, cobertos por brancos lençóis a suspirar por minha incerta volta. Esquivo-me para um mundo mais quieto e silencioso. Vou em busca de mim mesma. Quero um reencontro há muito esperado. Vou para cada vez mais longe - como uma pipa de fino papel de seda - cada vez mais alto. Subindo, subindo, até que a linha arrebente e, abraçada com o vento, eis que me encontro: assustada e perdida, como uma criança. Então eu enxugaria minhas lágrimas e diria: "pronto... já passou."  E, com os olhos lavados, inauguraria um novo jeito de olhar, podendo enxergar a nova criação, da qual sou parte. "... é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não saímos de nós..." - Saramago O trabalho Quero um barco de http://ra

Manhãs mais frias

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Bem-vindos sejam os dias de chuva. Noites mais fresquinhas, edredons, estreia de filmes na TV, baldinhos de pipoca. Serão assim os domingos: preguiça, preguiça... e gula. Sinto falta do sol, do calor, das caminhadas. Não paro de espirrar. De manhã cedo acordo fanhosa. O dia hoje foi de me perder em meio aos livros antigos, cartas, fotos... viagem pelo tempo. Sou eu, aquela foto, com o cabelo mais curto e um sorriso franco, aberto. Já não sou mais tão assim, mas... quer saber? Hoje me sinto até melhor, mesmo com os fios de cabelo branco despontando e um certo temor quanto ao futuro. Ao acordar, bem cedinho, o barulho do despertador espantou o meu sonho. Não lembro o que era mas, de certo, era alegre, já que acordei de muito bom humor, pronta para o dia que começa dentro e fora de mim. E o sol, neste finalzinho de outono, é tão gostoso quando ele sai assim, esquentando a pele... então eu o absorvo. * Fotografia de Mayara Cristina O trabalho Manhãs mais fria

Despojos e náufragos

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Chove muito hoje. Em dias assim gosto de olhar o mar. Cinza, revolto, grande. Imensas ondas que, barulhentamente, jogam na areia despojos vindos sabe-se lá de onde. De que barcos perdidos em noites de tormenta, de que ilhas sacudidas pelos ventos. Não sei porque despojos e náufragos me sugerem recomeço. Recolher, com coragem, na manhã seguinte, diante do vasto mar, tudo o que ficou na areia. E recomeçar. Reunir força e vontade para voltar, silenciosamente, à praia em busca do que o mar devolveu. E de novo sonhar. Manter no olhar a ternura necessária para vasculhar entre cacos e farpas a procura de alguma lembrança, uma palavra qualquer que prove que não se afundou, de todo, afinal. Onde aquele que estava ao meu lado, que navegava junto comigo, agora inominável e sem rosto? Procurar, tatear no escuro - mesmo que em vão. E ainda assim esperar pela manhã que virá e certamente trará novos despojos.  Crédito da imagem: "Ship", de Kleemas O trabalho De